sábado, 8 de maio de 2010

Passarela



Passa ele, passa ela, passo eu. E a cada passo, encurto a minha trajetória. A velocidade a que me disparo não permite a colisão com outros corpos. Contorço cada vértebra, cada membro, ocupando os espaços vazios daquele longo corredor. Meu destino é certo e objetivo. Minha pressa é constante e subjetiva. Afinal, só a mim importa chegar ao final. E indiferente é qual o ponto de partida. Na tentativa de não colidir, bloqueio meu corpo ao toque alheio, evito a energia emanada por outros seres. Contudo, o andar na passarela nem sempre é um correr constante, uma pressa desmedida. Às vezes, permito-me apenas caminhar, apreciar a vista. Deixo-me ser tomado pela adrenalina do perigo de um dia escorregar. Certo é que a passarela da minha jornada carrega chegadas e partidas, medos e coragem, sentimentos outros indecifráveis, que obstruem meu caminho ou prendem-se ao que carrego. Desautorizados, clandestinos. Em alguns trechos, encontro alegria, noutros, saudade. Mas a quero sempre assim, como um abismo, carregada de emoções, alimentada por um objetivo e que eu tenha sempre que correr para nunca cair.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Composições


De tudo que eras, pouco restou e muito se perdeu, pois perdida estava. A imagem hoje refletida no espelho dos meus olhos era falsa e, certamente, passageira. Acostumei-me a com ela sempre aprender. Do útil ao fútil. Neste novo enredo que construía preferiu a vilã à moçinha, já que agora descrente estava em finais felizes. Assisti a tudo, cada representação, cada ato daquela composição teatral sem manifestar-me. Sabia ser apenas por uma temporada. Desta vez, escolhi platéia à direção. A conhecia profunda e suficientemente bem para saber que debaixo de toda aquela indumentária, a mim estranha, ainda permanecia intacta sua essência. Tratava-se de atuação puramente amadora, daquelas que todos os grandes artistas submeteram-se (porque assim tinham que fazê-lo) antes de alcançar o estrelato. Como mero espectador, não podia, eu, assisti-la como se crítico fosse. Ela tentava fugir de tudo aquilo que um dia fora. Pormenorizou tudo aquilo que sempre manteve em primeiro plano. Parte dela esquivou-se do que era culto, dos seus livros, do seu verdadeiro mundo. Em caminho inexplorado, apenas seguiu, trilhando e trilhando. No topo dessa escalada, não foi contemplada com nenhuma vista paradisíaca ou por do sol memorável. Ao cansar, sentou-se, refletiu. Aquela aventura já não era mais excitante e o novo já não se fazia interessante. Numa noite em que um forte calor precedeu chuva, cheguei a sua casa e fui recebido com vinho e ópera. Sentados ao chão da sala, juntos, compusemos noite nossa, noite clássica. Voltara para o universo, para seu mundo, para meus braços. Estava novamente à deriva, porém, não de uma noite agitada, pessoas frívolas ou conversas sem rumo. Estava "à deriva... no firmamento".

segunda-feira, 1 de março de 2010

O sempre seguir em frente...



Parar. Mais que voltar à inércia, a capacidade de resistir aos impulsos trazidos por emoções cotidianas. Viver é nunca permanecer no marco inicial da existência. O passado arrasta-nos para o presente numa força superveniente ao nosso querer. Sem perceber, o caminho alonga-se para o futuro e o presente já é passado; e o passado, apenas lembranças. Somados, presente e passado, resultam num coeficiente “x”, indicando o futuro e para desvendá-lo, dúvidas não há, tem-se que analisar o que se que viveu e o que se vive, posto que somos hoje reflexo de nossas experiências. Nem sempre boas, nem sempre ruins, mas indubitavelmente, peças-chaves de um quebra-cabeça mutável, complexo e imensurável. Contudo, a emoção de viver cada minuto de situações imprevistas, previstas e indecifráveis não caberia na mais perfeita fórmula matemática, pois esse é o sentido de viver e a força impulsionadora desse nosso movimento e que nos faz não querer parar. Quem não consegue aprender com os ensaios da vida, estagna no tempo. Para aqueles que sabem viver, o tempo nunca é zero e o deslocamento final pertence a um ignoto finito. Forças contrárias podem nos empurrar para longe de nossos caminhos e objetivos, mas mesmo estas nos empurram para frente, para o futuro, para o novo. Talvez, diante desse caminho ainda inexplorado, possamos sentir desespero, fraqueza, medo, mas a vontade de viver e a perseverança devem sempre trilhar ao nosso lado. Elas ajudam a nos reerguer. A gente não sente que está vivo quando cai e sim quando levanta.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Insensatez mascarada


Chapéu preto com riscas de giz e uma máscara veneziana azul e roxa que brilhava insistentemente diante dos refletores que iluminavam as ruas naquela época. Estava pronto para adentrar na avenida. Toda a fantasia ajudava a assumir sua identidade naquela noite. Uma pessoa decidida e, estonteantemente, atraente. Roçou sua pele em alguns corpos quando embalado por aquele som carnavalesco. Uma figura tocou-lhe a mão. Indiferença, acanhamento. Foi quando decidiu que a timidez não haveria de caber, naquela noite, ao personagem que vestia e retribuiu o toque. Algumas poucas palavras ditas e seus lábios roçavam uns nos outros, fazendo-os sentir o gosto que carregam desconhecidos atrás das máscaras. Apenas um beijo, mas que despertou efeitos estonteantes de lança perfume. Dado o grande número de pessoas que habitam a cidade nesse festejo, acreditaram nunca mais ter seus corpos unidos novamente. Contudo, elementos indispensáveis a esta comemoração, serpentinas enlaçaram ambos no mesmo destino e foram derramados confetes em seus caminhos para promover um segundo encontro. A única marca que ela identificou foi o olhar dele. Alerquims insinuaram-se, lançaram-se sobre aquela, mas Colombina, não mais envolvida por aquele charme blasé, já reconhera seu verdadeiro amor, seu Pierrot. As cenas que seguiram inspiravam genuíno afeto, pele e desejo. Entregaram, naquele momento, seus corpos e corações, despidos de quaisquer disfarces ou dissimulações, como se entregassem a chave da cidade a um Rei Momo. Daquele segundo encontro, marcas deixadas pela mistura de anseio e ternura e um colar que as contas guardavam o suor de suas peles, vontade e juras de estar próximos carnalmente outras mais vezes. A incredulidade se fazia agora realidade, na rendição àquela louca e instantânea paixão; e o Carnaval, na folia e no balanço frenético de seus corpos.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Casualidade refletida


A primeira luz que viu quando entrou naquele clube refletira no imenso globo prateado e percorreu toda sua pupila, fazendo uma leitura óptica de tudo que desejava daquela noite. Entre corpos estranhos e agitados, seguiu em direção ao objeto que reproduzia a imagem de alguém feliz e saudável. A excitação de ver seu reflexo impulsionaria seu corpo de volta à pista de dança. Estendeu a mão a quem lhe fazia companhia. Diferentes faces, alguns shots da melhor tequila e um badalado house proporcionaram uma distração rápida para o inesperado. Ambos levantaram os olhares que se encontraram por segundos e tornaram a abaixá-los. Por segundos, o som da boate pareceu desaparecer, junto com aquelas pessoas. Os pensamentos confundiam-se diante da surpresa. Estava diferente daquele que conhecera. Respirou fundo antes de sentir uma mão delicada pousar em seu ombro e dar um leve aperto. Sua melhor amiga transmitia-lhe força e coragem. Sua imediata reação foi o abraço. Aquele peito colado ao seu trazia-lhe conforto. Agradeceu por tê-la ao seu lado naquela hora. Precisou de um cigarro para tragar aquele encontro. A fumaça que passava por entre seus lábios ganhando a atmosfera, aos poucos, levou consigo a insegurança que aquela casualidade lhe fez inspirar. Mais uns passos, passos de dança, passos de distância, reconheceu aquele mesmo corpo colado a outro. Suas bocas comprimiam-se. Encarou aquela cena enquanto um desconhecido lhe encarava. Com semblante enigmático e aparentemente inabalável deu as costas ao indesejável aos olhos e inaceitável para o orgulho. A noite seguiu o rumo esperado desde então. Luzes, flertes, glamour. A única surpresa foi o olhar de quem conhecia, atravessar seu corpo enquanto um estranho falava-lhe ao pé do ouvido.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Limpando o closet

Em meio a livros, acessórios, peças de vestuário e remédios, toda bagunça produzida por alguns dias de reclusão em casa, o rubro do papel se destacou quase que ofuscando todos os outros objetos. Ele fingiu não ter visto, talvez porque soubesse desde já o que aquilo significava. Imediatamente passou a arrumar aquela sua desordem organizada. Dobrava cada roupa com velocidade beirando à inação. Colocou camisas e bermudas separadas, depois, por tipo de tecido e cor, numa sequência que lembraria uma aquarela. Reuniu e limpou cada par de sapatos que possuía. Um pano com algum produto de limpeza trouxe ao ambiente cheiro de orquídeas e lustrou o móvel. Amassou alguns papeis que não possuíam mais serventia, mas não conseguiu fazê-lo com aquele, em cima de sua cama, que mirava-o. Sentou-se e abriu rapidamente aquela que seria uma carta. Assinada e datada de seis meses atrás, trazia consigo muitas dúvidas e, ainda, amor. Por muito tempo vinha se perguntando se teria sido sua culpa, somente, o fim do seu romance. Se fora por falta de amor ou excesso dele. Cada passo que deu após o relacionamento inspirava crescimento e amadurecimento. Não sabia a razão do fim, mas tinha certeza de que o que ambos viveram e sentiram foi sincero e real. Cada linha daquela mensagem guardava o mais puro afeto do seu antigo amor. Elas narravam alguém confuso e desesperado por sentir algo tão forte e ter medo de machucar quem ama. Lágrimas pareciam estar sendo derrubadas enquanto as palavras se juntavam formando frases, compondo aquela triste nota de conclusão. Quem quer que tivesse acesso àquela, teria a impressão que se tratava de duas pessoas que ainda se amavam. Quando a última palavra foi lida a dúvida de meses desfez-se em segundos. Não por falta ou excesso, pela insegurança. A lágrima contida em seus olhos finalmente pode rolar pelo seu rosto encontrando um sorriso de satisfação. Pode parecer triste e melancólico, contudo trata-se de alguém que descobriu a tentativa do acerto face ao erro e a asserção de não mais repeti-lo. A felicidade também está no contentamento de quem descobre o progresso pessoal. Por um momento, ele pensou em jogá-la junto aos outros, mas mesmo limpando o “closet” que abriga o passado e seguindo em frente, algumas lembranças merecem permanecer preservadas.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Promessas e despedida



Deitados numa cama estreita decidiram a hora de partir. Caminharam até a porta, entreolharam-se e deram um beijo que se entendia por despedida. O que ficou, fixou atenção e vistas no caminho de quem partia, perdeu-se neste por alguns segundos. Fechou a porta e subiu as escadas passando por cada degrau lentamente, temendo se afastar ainda mais de quem partira. No outro quarto, dois outros corpos se tocavam, com ansiedade, desejo, saudade e também despedida, ouviu os sons dos gemidos soltando por entre as fendas da porta. Sentou-se numa poltrona. A pouca luz que entrava pela varanda da casa e a umidade das paredes a deixava triste, muito diferente dos momentos que vivera ali. O clima se fazia sombrio desta vez. Na vã tentativa de reviver os momentos, buscou na memória todos que podia. Quando a porta do quarto se abriu, era hora de arrumar sua bagagem. Dentro da mala, bons momentos, pessoas especiais e a vontade de permanecer. Não queria voltar pra realidade. Não sabia o que o esperava, não sabia para o que estava voltando. Mas sabia o que ficava para trás. No caminho para o embarque, piadas memoráveis para amenizar a dor da volta. Acomodado em seu assento, foi tomado por uma saudade em tom inesperado. Olhando pela janela do ônibus, deu-se conta que permanecera ali por pouco tempo posto a quantidade de coisas vividas, mas era apenas o inicio do verão.